Empresa com apenas 1 funcionário leva contrato de R$ 285,8 mi na Saúde

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Uma microempresa com apenas um funcionário registrado e um capital social de R$ 1,3 milhão garantiu um contrato com o Ministério da Saúde este ano, no valor de R$ 285,8 milhões, sem a necessidade de licitação. O contrato prevê o fornecimento de 293,5 mil frascos de imunoglobulina humana, um medicamento hemoderivado usado para fortalecer a imunidade de pacientes com diversas doenças, incluindo a síndrome de Guillain-Barré.

O valor substancial do contrato, combinado com o tamanho diminuto da empresa chamada Auramedi, sediada em Goiás e praticamente desconhecida no setor farmacêutico, tem atraído atenção. Além disso, a empresa atua como representante da chinesa Nanjing Pharmacare, que é o verdadeiro contratante no acordo com o Ministério da Saúde, enquanto a Auramedi assina como sua representante.

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A Nanjing também é representada no Brasil pela Panamerican Medical Supply, cujo um dos sócios, Marcelo Pupkin Pitta, é um empresário do ramo que já enfrentou problemas legais, incluindo prisões em 2004 e 2007 relacionadas a suspeitas de fraude em licitações do Ministério da Saúde, particularmente em compras de medicamentos hemoderivados, incluindo a imunoglobulina.

A sede da Auramedi é uma casa localizada em um centro empresarial em Aparecida de Goiânia, na região metropolitana da capital. Uma visita realizada pelo portal Metrópoles durante o horário comercial encontrou o local fechado, e um comerciante vizinho relatou que nunca viu atividade na empresa. Além disso, a presença da empresa na internet é quase inexistente, pois a Auramedi não possui nem mesmo um site.

Tanto a empresa Auramedi quanto seu único sócio, Fábio Granieri de Oliveira, enfrentam acusações de improbidade administrativa em um processo no Tribunal de Justiça do Pará, relacionado a uma contratação com dispensa de licitação durante a pandemia da Covid-19 em Parauapebas. No entanto, a empresa não possui restrições legais para participar de licitações ou celebrar contratos com o setor público.

Um dos elementos no processo é o fato de que Fábio participou da tomada de preços solicitada pela prefeitura como representante da Auramedi, mas também assinou da mesma maneira em nome de outras duas concorrentes. A empresa foi criada em 2013, mas Fábio tornou-se sócio em maio de 2020, quando o capital social da empresa aumentou significativamente, de R$ 50 mil para R$ 1,3 milhão.

Essa mudança no quadro societário da Auramedi, com Fábio como único sócio, ocorreu após a empresa ter sido usada como pagamento de uma dívida para três pessoas. Antes disso, Fábio trabalhou na gigante farmacêutica EMS, conforme afirmado por ele.

Dados do Portal da Transparência indicam que a Auramedi começou a participar de pregões de órgãos federais desde outubro do ano passado, recebendo pagamentos pequenos por fornecimento de medicamentos, com notas de pagamento chegando a R$ 6,2 mil.

O maior valor recebido pela empresa até então foi proveniente do contrato com o Ministério da Saúde, no valor de R$ 16,5 milhões. Para obter esse contrato, a Auramedi pagou previamente R$ 246,6 mil em um seguro de R$ 14,3 milhões, correspondente a 5% do valor total do contrato, conforme exigido pela legislação.

A operação “Vampiro”

Tanto a Auramedi quanto a Panamerican afirmam representar a empresa chinesa Nanjing, atuando como intermediárias entre fabricantes e compradores. No processo mais recente de dispensa de licitação do Ministério da Saúde para a compra de imunoglobulina, ambas se apresentaram como representantes da Nanjing no Brasil. Questionado se ele é o representante exclusivo da Nanjing, Fábio Granieri não respondeu.

A Panamerican chegou a fornecer medicamentos enviados pela Nanjing ao Ministério da Saúde em contratos recentes. A reportagem encontrou apenas uma outra empresa brasileira, sediada no Distrito Federal, que já afirmou representar a Nanjing no passado, em 2020. Essa terceira empresa é ré no mesmo processo no Pará em que Fábio Granieri é réu. A reportagem tentou contato com o sócio dessa empresa, que pediu para responder por mensagem, mas não respondeu até a publicação deste artigo.

Coincidentemente, o advogado que representou Fábio Granieri no processo de dispensa de licitação do Ministério da Saúde também atuou em nome de Marcelo Pitta em um processo de 2020. O advogado é de Pernambuco, uma região distante do Distrito Federal e de Goiás, onde a Auramedi está sediada e onde Fábio diz residir. Quando contatado, o advogado alegou não poder divulgar se Pitta indicou seu escritório à empresa devido ao sigilo dos contratos.

A Panamerican chegou a pedir a impugnação do processo de dispensa de licitação em questão, solicitando melhorias no termo de referência. No pedido, a empresa argumentou prazos inexequíveis para o início da entrega, dúvidas sobre a quantidade a ser fornecida em cada entrega e a possibilidade de apresentar propostas em dois cenários, um respeitando o cronograma e outro não. No entanto, mesmo após o pedido de impugnação, a empresa não apresentou proposta.

A dispensa de licitação

A forma como a dispensa de licitação ocorreu também despertou questionamentos. Inicialmente, o Ministério da Saúde poderia ter aberto um processo de dispensa para adquirir uma quantidade menor do medicamento com urgência. No entanto, optou por adquirir, sem licitação, uma quantidade equivalente ao consumo de seis meses.

Duas empresas venceram a tomada de preços realizada pelo Ministério da Saúde: a Auramedi, representando a chinesa Nanjing Pharmacare, e a Farma Medical, em nome da Prime Phama LLC, dos Emirados Árabes, que ficou responsável pelo fornecimento de 90 mil frascos em um contrato menor, no valor de R$ 87,6 milhões.

Embora a empresa goiana Auramedi tenha entregue os medicamentos, houve atrasos de até 35 dias na entrega. Por outro lado, a Farma Medical, de acordo com o Ministério da Saúde, não entregou nada até o momento, apesar do dono da empresa alegar ter entregado 30 mil frascos em junho, sem fornecer documentação que comprove o serviço.

O processo de dispensa de licitação está relacionado a um imbróglio na aquisição de imunoglobulina que realmente ameaçou o abastecimento do Sistema Único de Saúde. A história começou em 2020, quando, durante o auge da pandemia da Covid-19, o medicamento estava em falta no mercado. Dois pregões realizados pelo Ministério da Saúde fracassaram.

No ano seguinte, houve outra tentativa de disputa pública, mas uma das empresas alegou irregularidades em sua desclassificação, levando o Tribunal de Contas da União (TCU) a suspender o processo. No entanto, posteriormente, o Supremo Tribunal Federal (STF) autorizou a compra.

Após a autorização do STF, o Ministério da Saúde abriu um novo pregão em dezembro do ano passado. No entanto, diante de uma determinação do TCU que exigia a participação de empresas sem registro na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), o ministério iniciou outro processo, desta vez com dispensa de licitação, citando urgência na aquisição.

O ministério alegou que a primeira parcela do medicamento deveria ser entregue em abril para evitar o desabastecimento. No entanto, a primeira entrega só ocorreu em meados de junho.

O ministério destacou que estava seguindo uma regulamentação da Anvisa que permitia a importação excepcional do medicamento sem registro sanitário, citando o acórdão do TCU de fevereiro deste ano, que exigia a garantia do estoque de imunoglobulina “por meio, por exemplo, de contrato emergencial ou termo aditivo, se couber,” incluindo a participação de empresas estrangeiras com produtos sem registro.

A tomada de preços

O Ministério da Saúde abriu a tomada de preços em 27 de fevereiro, com publicação no Diário Oficial da União (DOU), para receber propostas até as 23h59 do dia 3 de março. Uma das empresas foi desclassificada por enviar a proposta um minuto após o prazo, à meia-noite.

O ministério também desclassificou outras cinco empresas, alegando falta de conformidade com o edital. Posteriormente, o ministério selecionou as cinco propostas com os preços mais baixos (incluindo a da Auramedi após a eliminação de uma concorrente) para análise, excluindo as outras 10 propostas restantes.

As duas primeiras empresas colocadas foram eliminadas porque alegaram que o produto oferecido era fabricado na Índia, que não é membro da ICH. A terceira colocada, a Apx Health Corporation, também foi eliminada após alegar que a Índia é membro observador da ICH e que sua proposta não deveria ter sido desclassificada. A reportagem tentou contatar a Anvisa para esclarecer essa questão, mas não recebeu resposta.

A quarta colocada foi eliminada porque, de acordo com o ministério, não respondeu à solicitação de envio de documentação para se qualificar. Como resultado, restaram apenas a Farma Medical, que estava em terceiro lugar, e a Auramedi, que estava em quinto lugar na lista de propostas mais vantajosas. A Auramedi enfatizou repetidamente que tinha capacidade suficiente para atender à demanda completa do ministério, de 383,5 mil frascos, e tentou desqualificar a concorrente Farma Medical.

Empresas sem registro

No decorrer do processo, empresas farmacêuticas maiores e com registro na Anvisa argumentaram que não havia justificativa para a dispensa de licitação, nem para permitir que produtos sem registro na agência participassem da competição. Na própria tomada de preços, as propostas de empresas com registro na Anvisa totalizaram 82% do volume necessário pelo ministério.

No entanto, essas propostas teriam custado consideravelmente mais, chegando a R$ 716,8 milhões, quase o dobro do valor comprometido pelo ministério nos dois contratos. Diante da decisão do TCU em fevereiro, a compra foi mantida com empresas sem registro.

O outro lado

A Panamerican Medical Supply foi contatada, mas não respondeu ao Metrópoles. Um funcionário da empresa informou por telefone que não responderia às perguntas. Fábio Granieri criticou a concorrente Farma Medical, que não cumpriu o acordo de fornecimento dos medicamentos, e afirmou que as informações apresentadas na reportagem estão equivocadas.

“É surpreendente que informações equivocadas estejam sendo divulgadas sobre a Nanjing Pharmacare, pois carecem de fundamentação factual. Também é inesperado que não se esteja dando destaque devido ao não cumprimento contratual da Prime Pharma LLC, o que efetivamente prejudica a saúde pública de forma irreversível”, escreveu.

A Auramedi argumentou em oito parágrafos adicionais que a Nanjing cumpriu todas as exigências contratuais e destacou os problemas da concorrente.

O Ministério da Saúde informou que a compra emergencial teve o objetivo de evitar a escassez de imunoglobulina e que a aquisição seguiu a regulamentação da Anvisa referente aos critérios para importação em caráter excepcional.

A pasta acrescentou que até o momento recebeu 245.842 frascos da Nanjing Pharmacare, representada pela Auramedi no Brasil, equivalentes às cinco primeiras parcelas, e que já recebeu parte da última parcela, prevista para entrega em 30/9. O ministério esclareceu que as empresas contratadas estavam regulares no momento da contratação e não enfrentavam nenhuma restrição legal.

Sarah Oliveira
Sarah Oliveira

Uma amante das palavras em uma jornada incessante de descoberta. Originária de São Paulo, encontro nas nuances da linguagem minha paixão. Com formação em Comunicação, tenho o prazer de guiar você pelos intrincados caminhos das notícias, oferecendo uma perspectiva única sobre o que acontece no Brasil e no mundo.

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